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domingo, 15 de agosto de 2010

O sorriso do cadeirante

Dia desses, fui caminhando ao Pátio Savassi, quando a noite já chegava na soleira da porta e a bela tarde de BH  a saudava com seu sorriso alaranjado. Na realidade, praticava uma velha tática de gerência da solidão, visto que Beth ainda se encontra em SP, finalizando o processo de "start-up" do nosso netinho. Ao  chegar à calçada, após a travessia da BR, vi , ao longe, um cadeirante em frente ao Shopping. Ao passar por ele, sem reconhecê-lo, ouvi uma voz firme  que me chamou:
" E ai , Barbieri, Barbi?"
Percebi então, que sentado numa cadeira de rodas, estava um ex-aluno, dos idos dos anos 80. Naquela época, ministrei o primeiro curso de extensão em BD de Minas Gerais.Foi dado por uns 3 anos seguidos,na Sucesu, criado pelo brilhante José Henrique Portugal. Não existia micro-computador, internet, DataWarehouse, MBA,etc. O mundo da computação corporativa era dividido em sistemas, bancos de dados(BD) e telecomunicações(TC). Eu dava a parte de Bancos de Dados e José Carlos Andrade, também da Cemig, dava a parte de TC. Por esse curso passaram diversos alunos, que depois encontrei como CIO´s, gerentes de DBA, Gerentes de Sistemas, em diversas empresas onde atuei como consultor.
Ele foi um deles. Dotado de uma inteligência instigante e de uma capacidade de comunicação fabulosa,  dominava as aulas com o brilho de suas indagações técnicas e o bom humor com que olhava as coisas do cotidiano.Era o melhor conteúdo das longas noites, de 2a a 5a, na sede da Sucesu, na Padre Odorico.
"E ai Barbieri, há quanto tempo, hein?"
Trocamos um forte abraço e me desculpei por não tê-lo reconhecido. Mais gordo, e com uma barba de ativista afegão, não me foi possível identificá-lo,disse eu.
Aí me lembrei da última vez em que nos encontramos. Há mais ou menos 12 anos, ele morava ao lado do meu prédio, na Ouro Fino e por diversas vezes fui ao seu apartamento, nos sábados à tarde, para conversar bobagens e jogá-las ao vento. Naquela época ele já havia sofrido um terrível acidente que o  deixara tetraplégico. Numa das idas ao Espírito Santo, numa viagem noturna, atropelou um cavalo instantâneo que lhe surgiu à frente, e que foi se alojar no seu pescoço esmagando uma das cervicais . Traduzindo em termos de TC, isso resultou na secção da fiação do "backbone", que sai da cpu cerebral e controla todos os periféricos e seus processos e procedimentos. Só isso... Num átimo, o que era a vida de um brilhante gerente de informática de uma grande construtora em BH, se transformou num desafio para poucos.Os problemas recorrentes de prazos, custos, qualidade,sistemas e pessoas foram todos relativizados ao pó.A vida se concentrava, a partir dai, nas duas coisas que ainda lhe restava fazer com independência: respirar e pensar.
Passado um tempo das nossas conversas ao sábado, fiquei sabendo que ele se mudara. A esposa se separou
e ele foi morar com a mãe, a única pessoa capaz de nos amar pelos nossos defeitos e incapacidades. Perdi a sua referência e nunca mais nos encontramos.
Naquela tarde ficamos ali na frente do Shopping numa longa conversa de butequim. Me contou sobre o que anda fazendo, os tratamentos, a vida profissional,  e relembramos os fatos passados, as paixões futebolísticas, etc. Falou que se lembrou de mim durante todo o ano de 2009, com o Vasco na segundona e imediatamente emplacou um sorriso maroto.  Logo chegaram os seus acompanhantes(sobrinha, esposo da sobrinha, etc) e ao nos despedirmos, trocamos e-mail, celular, e promessas de reencontro.
Fui embora com a sensação de ter encontrado o velho amigo, com o mesmo espírito com que eu o vira pela primeira vez, nas aulas da Sucesu e o mesmo físico de 12 anos atrás. Um pouco mais gordo talvez e  ainda praticamente imóvel. Apesar da fisioterapia inócua, mantém a mesma inteligência agradável e o mesmo sorriso desafiador. Sorriso difícil de ser encontrado e somente observado naqueles que adquiriram o dom de ver felicidade nas migalhas da vida. No retorno, alguma coisa me soprou que a dor do joelho, que me impossibilita de correr já não me entristecia mais e que a solidão da alma, que eu tentara enrolar na ida ao shopping, era pequena , sei lá, até meio adocicada..... só não entendi bem por quê.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Métodos Ágeis ou MPS.BR/CMMI ? Por que não os dois?

Recentemente, com Isabella Fonseca, da Powerlogic, participei do seminário Maré de Agilidade, onde se discutiu, dentre outras coisas, a aplicação de modelos ágeis. Fui com o estrito objetivo de trincar alguns tabus extremistas que sugeriam a incompatibilidade dos dois modelos.
Tecnologia e metodologia não devem ter torcida, não devem inspirar rivalidade, mas sim serem usadas como ferramentas que nos ajudem a alcançar objetivos nobres. Paixão indiscutível não é compatível com métodos e ferramentas. Isso se ajusta mais com política, futebol e religião. Quando expressa nos domínios da engenharia de software, a paixão denota muito mais imaturidade do que habilidade e mais estilo ginasiano do que conduta profissional. A MPB nos dá exemplo de junções de coisas aparentemente inconciliáveis. Os irreverentes do J.Quest e Skank criam colorações ágeis e modernas com as velhas e belas baladas rítmicas de Roberto e Erasmo Carlos.
Algumas percepções desenvolvidas pelos agilistas a respeito dos modelos CMMI /MPS.BR acabaram definindo uma meia verdade sobre a impropriedade da proposta para o desenvolvimento de sistemas nos dias de hoje. Embora ainda retenham uma parte desse teor mais tradicional, cada versão lançada tem procurado evoluções a fim de oferecer novos arcos de opções. Processos iterativos têm sido aplicados no MPS.BR em muitas das mais de 200 empresas certificadas. Assim, embora a genética inicial fosse para sistemas com estilo cascata, não há rigorosamente nada hoje que impeça, via modelo, a aplicação de ciclos de vida mais iterativos na construção de produtos incrementais a bordo do MPS ou CMMI. Se fizermos uma tomografia da "anti-empatia" mútua entre agilistas e estruturados, perceberemos que a falta de informação tem sido um dos grandes fatores de ruído nessa arena. Os exageros acontecem de ambos os lados: a percepção errada dos estruturados de que os métodos ágeis não são controlados é uma delas. Embora seja uma abordagem mais libertária, o Scrum não prescinde da disciplina. A idéia de que o "daily scrum" perde em efetividade é abobrinha pura. Tenho 40 anos de estrada em TI e isso, rigorosamente, não me faz melhor do que os que estão por aí. Sou só uma testemunha mais atenta de decisões simplistas sobre o melhor das tecnologias e metodologias. Pura perda de oxigênio. Esses exageros de agilistas e estruturados, gerados por distorções, ruídos e paixões em nada contribuem para uma visão possível de perfeita e pacífica coexistência entre as propostas. Colocações pejorativas encontradas em listas de discussões, empobrecem a discussão das idéias: os “cascateiros” (para aqueles que usam o modelo cascata, com uma mensagem subliminar de enganadores), ou "prestidigitadores" (para aqueles que usam a "agilidade" de camelô para criar ilusões rápidas e passageiras) são de uma imaturidade infanto-juvenil que inibe uma convivência possível, que existe e não é de hoje. Desde 2005, existem relatos de iniciativas de aproximação. A experiência da Powerlogic, empresa referência em modelos ágeis, na implementação do nível C (CMMI-N3) é eloquente. O MPS.BR, planeja para 2010 o Guia MPS voltado para modelos ágeis.
A questão é de se buscar um ponto de equilíbrio existente entre as propostas, de forma a preservar seus atributos seminais e desenvolver soluções que permitam uma empresa buscar um modelo de maturidade sem abandonar por completo, preceitos culturais estabelecidos. E isso é plenamente possível na aproximação MPS.BR + Métodos Ágeis. Sem cascateiros e prestidigitadores!