Introdução:
A Governança de dados, deverá estender os seus corpos de
conhecimento em direção a ética no uso de dados. O próprio DMBoK®V2, conforme
já discutido aqui neste mesmo espaço, já dedica uma forte e espessa
consideração sobre esse novo tema. Na realidade, a ética de dados já tem
desdobramentos quando a Gestão e Governança de dados são convocadas para a interação
com aspectos de Segurança(um dos corpos de conhecimento do DMBoK®V2). A chegada
do GDPR-General Data Protection Regulation, da União Européia, a vigorar a
partir de Maio de 2018, já está produzindo, nas empresas mais atentas, essa
aproximação entre Segurança e Gestão de dados, com o encaixe de processos de GD nos já
existentes mecanismos do DPO/DSO(Data Privacy ou Data Security) Officer. Dessa
forma, além dos aspectos de Arquitetura, Modelagem , Operação de dados, seguido
de DW/BI, Dados Mestres e referenciais, Metadados e Qualidade de dados, os
conceitos de ética nos dados deverão fazer parte dos Princípios e Políticas de
dados das empresas. A chegada de Big Data, IoT e Ciência de dados, claro, vai
potencializar essa necessidade, na medida em que teremos um volume maior, mais
variado e mais difuso de dados de clientes, empregados, etc. Só que agora, com
decisões passíveis de serem produzidas por algoritmos frios de “machine
learning”, e consequentemente com
possibilidades de resultados que poderão implicar em embaraços, desconfortos ou
prejuízos para pessoas. Recentemente fiz um curso EAD na Universidade de Michigan,
com o título “Ethics on Data Science” que veio somar às minhas percepções
quando mergulhei no DMBoK®V2 e vi esses conceitos ganharem destaque. Nesse
conjunto de artigos, falaremos com mais detalhe sobre esses pontos.
O que é Ética?
A definição de ética é até relativamente simples. Ética é
aquele conjunto informal (no sentido de que não está oficialmente escrita) de
regras, que nos leva a discernir entre o certo e o errado, fronteira, por vezes
não tão claramente definida. Por exemplo, a ética nos faz entregar no setor de
Achados&Perdidos um celular encontrado no Shopping, ou uma
carteira cheia de dinheiro e documentos achado na poltrona do cinema. A Ética
difere de legislação, pois esta tem um certo ordenamento jurídico, definido, controlado
e aplicado. A ética difere também de religião, onde prevalecem credos e
crenças, que aliás, junto com a legislação, ajudam na lapidação dos preceitos
éticos. Essas fronteiras da ética não são claramente definidas e percebidas,
podendo variar com fatores de educação, criação, exemplos, cultura, etc. Por
exemplo: Furar a fila do cinema é uma atitude antiética, mas não
necessariamente ilegal(não acho que haja uma lei que proíba furar fila!!). Por
outro lado, se você socorrer alguém, à beira da morte, num terrível acidente de
trânsito, com impossibilidade de assistência médica imediata e decidir levá-lo
a um hospital perto, seguindo na contramão(por impossibilidades variadas no
contexto), você estará sendo ético mas tendo uma atitude ilegal (transitar na contramão).
Por isso, essas fronteiras se complicam quando chegamos aos dados. No ambiente organizacional, com os dados em
crescimento e os sistemas de IA(Inteligência artificial) sendo desenvolvidos,
muitos dos conceitos de ética deverão ser considerados, avaliados e definidos.
Por exemplo :
1-É ético a NetFlix saber dos nossos movimentos na sala de
TV (Mensagem-Tem alguém assistindo ai?), além de conhecer, pelos nossos dados
acumulados, todas as nossas preferências de séries, filmes, etc?. Saber qual o
capítulo que foi o desmotivador ou o gancho que te prendeu àquela série? Ter
mapeado o seu perfil de gosto, compra, hábitos de assistir,etc? Pelo lado
positivo, sugerem títulos mais prováveis para os cinéfilos.
2-É ético os Leitores inteligentes de energia(smart meters)
terem os dados que poderão ser usados para inferir sobre a hora em que
dormimos, tomamos banho, quando viajamos, ou o consumo de nossos utensílios
domésticos? Os de fornecimento de água, terem ideia sobre o momento em damos
um “flush no “toilet” ?. Pelo lado
positivo, vem a percepção de possíveis vazamentos, pelo excesso de consumo detectado.
3-É ético o FB conhecer todas as nossas informações de
relacionamento na rede social e escolher os “feeds” mais adequados que chegam
na nossa linha de tempo? Pelo lado positivo, receberemos teoricamente coisas
mais do nosso agrado.
4-É ético os grandes data-brokers, ou agências de crédito,
como Serasa-Experian, BV Serviços, Acxiom, Equifax, etc terem informações sobre
cada um de nós, dos nossos movimentos de pagamento, inadimplência, créditos,
etc e venderem para uma empresa que está avaliando a nossa admissão no novo emprego?
Pelo lado positivo, você, como empregador, terá milhares de pontos de
dados(nome que eles empregam) acerca de pessoas que você analisa para trabalhar
com você.
5-É ético que posts “mal colocados” por você no FB,
Twitter,etc, possam ser elementos de avaliação de sua conduta?
6-É ético que os nossos dados de busca no Google sejam
mantidos e tratados cuidadosamente, possibilitando revelações sobre doenças,
posições políticas e opções pessoais de cada um? Pelo lado positivo, não
pagamos nada para acessar a maior enciclopédia já desenvolvida.
7-É ético as operadoras de telefonia terem a completa trilha
do seu celular ao longo do dia, na medida em os aparelhos fazem um “ping” com
as torres, e poderem saber por onde você anda, a que horas você vai e volta do
trabalho, ou até as incursões noturnas em nome do futebol com os amigos?
O tema é controverso e há algumas referências muito boas
sobre esses aspectos de privacidade ( não foram escritas agora !) que, no fundo, nos levam à reflexão sobre a
ética dos dados. Já li os dois e recomendo:
a)No Place to hide-Robert O ´Harrow Jr, de 2005
b)Delete-The virtue of forgetting in the digital age-Viktor
Mayers-Schonberger-2009
Assim, a ética deverá ser elemento avaliado no contexto de
dados da empresa, e a GD deverá estar presente. O Gartner Group aponta que 50%
dos problemas relacionados com ética de negócios, serão originados do uso
impróprio/inadequado dos dados. Portanto, a GD(Governança e Gestão de dados)
terá alguns de seus pilares modificados, quando chegarem(como já estão
chegando) os conceitos de Big Data, IoT e Ciência de dados. Depois dos
arquitetos de dados, gestores de dados, projetistas de dados, modeladores de
dados, custodiadores de dados, poderemos ter os psicólogos ou psiquiatras
orientando sobre o uso de dados.. Fiquem atento...